PRECISAMOS PENSAR NO SEGURO-DESEMPREGO (ARTIGO)
Quintino Severo
Metalúrgico, técnico em eletromecânica, dirigente da CUT e Conselheiro do CODEFAT.
Clovis Scherer
Economista do Dieese e assessor da CUT no Grupo de Apoio do Conselho Curador do FGTS.
Milhões de brasileiros vêm enfrentando o drama do desemprego e suas duras consequências: pobreza, fome, exclusão social, entre outros. O IBGE estimou que, no terceiro trimestre de 2021, havia 13,5 milhões desempregados no país, o que representava 12,6% da força de trabalho. Diante disso, os programas de proteção social, em especial o seguro-desemprego, não estão à altura da necessidade da população e precisam ser ampliados.
Fazendo uma retrospectiva da questão, é bom lembrar que o país apresentou níveis de desocupação muito baixos na década passada, com taxa de desemprego de apenas 6,6% no final de 2014. Uma época em que se falava em “pleno emprego” e até mesmo em apagão da mão de obra. De 2015 em diante esse panorama mudou radicalmente quando se instaurou uma crise econômica causada por diversos fatores que incluem a adoção de uma política de austeridade fiscal que aprofundou a trajetória recessiva. A geração de empregos arrefeceu e se tornou negativa, enquanto que a massa de desempregados só fez crescer. No final daquele ano a taxa de desemprego já era de 9,1% e um recorde nesse indicador foi registrado no primeiro trimestre de 2017, com 13,9%, quando se apurou mais de 14,3 milhões de desempregados.
Desde então, apesar das promessas feitas pelos defensores da austeridade e das reformas trabalhista e previdenciária, o crescimento econômico não foi retomado e a geração de empregos teve, no máximo, alguns espasmos insuficientes para aliviar a situação de desemprego. O número de desocupados, segundo o IBGE, caiu abaixo de 12 milhões somente no final de 2019, ainda assim com uma taxa de 11,1% do total, para subir de novo com a crise pandêmica e bater novo recorde de 15,2 milhões no primeiro trimestre do ano passado.
Alcance do seguro-desemprego diminuiu
A forma como evoluiu o desemprego contrasta inteiramente com o alcance do Programa Seguro-Desemprego, apesar dele ser a principal política pública de mitigação do problema. Enquanto o contingente de trabalhadores sem ocupação remunerada foi aumentando, o número de beneficiários do seguro-desemprego veio caindo. No último trimestre de 2014 havia 690 mil segurados; no final de 2016 o número tinha baixado para 587 mil; foi para 472 mil no final de 2019; e, agora, caiu para 438 mil no final de 2021.
Fazendo a relação entre quantidade de desempregados e de beneficiários do seguro é possível ver o que essa discrepância significou: no final de 2014, havia 9,5 desempregados para cada segurado; essa relação passou para mais de 20 por um em 2016, e hoje alcança quase 30 por um. Vale repetir: atualmente, para cada 30 pessoas desempregadas há apenas uma que recebe seguro-desemprego, o que mostra a total insuficiência do seguro.
O gráfico abaixo ilustra a questão, apresentando o número de desempregados, segundo o IBGE, o número de segurados do Seguro-Desemprego (média trimestral) e a relação entre esses dois números (taxa de cobertura), na linha cheia.
Uma comparação com outros países ajuda a ver como o Brasil fica para trás em matéria de proteção ao desempregado. Em 2014, quando a cobertura aqui era de 10% dos desempregados, na Espanha ficava em 18,9%; nos EUA, em 27,8%; em Portugal, em 37,8%; no Chile, em 36,5%; e na França, em 79,4%[1]. Na União Europeia a cobertura média era de 36,1% dos desempregados. Em 2021, no Brasil, esse indicador de cobertura caiu para míseros 3,3%.
Mudança nas regras do programa
Muitas causas dessa insuficiência do seguro-desemprego podem ser buscadas, mas a principal delas é a mudança nas regras do Programa aprovadas em 2015 como parte do ajuste recessivo de orientação fiscalista sobre o qual falamos anteriormente.
Visando reduzir as despesas com o seguro, a Medida Provisória nº 665, transformada na Lei nº 13.134/2015, elevou a exigência de tempo anterior de trabalho registrado em carteira para a concessão do benefício, de seis para doze meses na primeira vez que o trabalhador requer o seguro, e de seis para nove meses na segunda. Como o aumento na exigência coincidiu com a piora nas condições de emprego, tornou-se cada vez mais difícil atingir o tempo de permanência no emprego suficiente para, na demissão sem justa causa, ter aceito o pedido do seguro.
Passados sete anos da mudança na lei do seguro-desemprego, é hora de se colocar em pauta a revisão das regras de concessão visando ampliar a cobertura.
O Programa é vital num país em que a rotatividade no emprego é muito elevada, em que os trabalhadores estão sendo continuamente demitidos por seus empregadores e precisam do auxílio enquanto procuram uma nova colocação. Além dos aspectos sociais desse tipo de apoio, há bons argumentos econômicos que justificam um seguro-desemprego efetivo e de boa cobertura. Um Programa Seguro-Desemprego fortalecido e que proteja mais trabalhadores é bom para todos.